2023 foi, provavelmente, o ano em que mais li da minha vida até então. Não sei se isso é verdade pois não catalogo todos os livros que eu leio desde sempre, mas acho que todos os anos em que eu era criança não contam. E eu costumava ler bastante quando criança! Livros infanto-juvenis, mas mesmo assim. Em algum momento da minha adolescência parei de ler, e gosto de culpar o Sistema Educacional Brasileiro por isso. Acho importantíssimo botar a molecada pra ler os clássicos, mas foi justamente isso que acabou com o meu amor pela leitura. Começo a odiar qualquer coisa que eu tenha que fazer à força. Eu achava que não gostava de ler num geral, e não que eu não gostava de ler Aqueles Livros.
Acho que foi em 2021 que eu comecei a ler livros do Terry Pratchett porcausa do fanalbum de Discworld Tales From The Disc - Lookfar do Louie Zong. Eu percebi que ler meio que é foda, e voltei a leitura lentamente! Não sei quantos livros eu li em 2021 e 2022, não foram muitos, mas foram mais do que 0.
Em Dezembro de 2022, numa visita à um shopping com amigos, entrei dentro de uma livraria pra fuçar uns livros. Sempre dou uma olhada perto dos livros de fantasia, procurando algo de Discworld, mas os únicos que encontro do Terry Pratchett são Good Omens e A Terra Longa. Me deparei, porém, com um livro com uma arte de capa linda.
Meu deus. Que espada foda. Quem é esse cavaleiro na capa? Quem é aquele do outro lado? Que lugar é esse? Fui instantaneamente cativado por uma curiosidade imensa sobre esse livro. Quando fui pegar ele pra ver de perto, porém, tive uma leve surpresa.
É um calhamaço de 1240 páginas. O peso foi o que me assustou mais do que qualquer coisa, mas não tenho uma balança em casa pra poder dizer com exatidão. Acho que a editora deveria incluir o peso nas informações básicas do livro, junto do número de páginas e código ISBN. Não sei o que isso diz sobre mim, mas fiquei mais curioso ainda quando vi que ele era gigante, já criando na minha cabeça a visão de um conto de fantasia verdadeiramente épico. Como não pode se julgar um livro somente pela capa, perguntei pra uma das minhas amigas que estava comigo sobre o livro. Ela prontamente me informa que Brandon Sanderson é um autor de fantasia aclamado, famoso principalmente por escrever Mistborn. Eu fiquei meio tipo. Tá. Isso não significa nada pra mim. O livro é bom? Ela me assegura que sim, que a série desse livro é meio que a "obra-prima" dele, embora ela também nunca tenha lido. Isso me atiça mais. Eu viro o livro pra ler a sinopse:
Sinto falta dos tempos anteriores à Última Desolação.
Aqueles tempos antes de os Arautos nos abandonarem e os Cavaleiros Radiantes se voltarem contra nós. Uma época em que ainda havia magia no mundo e honra no coração dos homens.
O mundo se tornou nosso, e nós o perdemos. Ao que parece, nada é mais desafiador para a alma dos homens do que a própria vitória.
Será que essa vittória teria sido uma ilusão o tempo todo? Será que nossos inimigos tinham enfim compreendido que, quanto mais eles lutavam, mais forte nós resistimos? Talvez percebessem que o calor e o martelo só contribuem para a espada ser de melhor qualidade. Mas basta ignorar o aço por tempo suficiente para ele acabar enferrujando.
Aqui nós assistimos a quatro. O primeiro é o cirurgião, obrigado a deixar de lado as habilidades curativas para se tornar um soldado na guerra mais brutal do nosso tempo. O segundo é o assassino, que chora enquanto mata. A terceira é a mentirosa, uma jovem que assume as vestes de mestre erudita sobre o coração de uma ladra. O último é o grão-príncipe, um senhor da guerra cujos olhos se abrem para o passado à medida que sua sede bélica se esvai.
O mundo pode mudar. A magia dos tempos antigos pode voltar a ser nossa. E essas quatro pessoas são fundamentais.
Uma delas pode nos redimir.
E uma delas vai nos destruir.
Decidi imediatamente que tenho que ler esse livro. Meus dois amigos que estão comigo decididiram que o querem ler também. Combinamos de fazer uma leitura conjunta, e decidimos começar em Janeiro, acabando o livro na primeira semana de Fevereiro.
Não vou ser dramático e dizer que esse livro mudou a minha vida, mas ele - e a série Stormlight Archive - definitivamente mudaram meus hábitos de leitura. Nunca tinha experienciado antes um livro que fazia jus tão corretamente ao gênero Fantasia Épica. Nunca havia lido cenas em um livro antes que me fizeram expressar emoções tão dramáticas na vida real, ao ponto de fazer barulhos de surpresa, de ter que fechar o livro e ir caminhar um pouco em círculos. Dizer que o Brandon Sanderson é um mestre em escrever plots é menosprezá-lo. Você pode até menosprezar a sua prosa - que realmente, é bem simples, eu admito - mas não conheço ninguém que se compare à sua habilidade de tecer narrativas. Eu fui ler esse livro sem saber nada sobre e me apaixonei inteiramente.
Acompanhamos quatro personagens no livro, como a sinopse diz. O primeiro é Szeth, o assassino que chora enquanto mata. Ele é definitivamente o personagem mais misterioso no começo, e não sabemos muito sobre ele, exceto pelo fato de que ele tem uns poderes misteriosos, os usa para assassinar figuras políticas importantes, mas não está muito feliz sobre ter que fazer isso. O segundo é Kaladin, o cirurgião que virou soldado. Cada um dos livros da série tem capítulos de flashback, e no primeiro temos os flashbacks do Kaladin. Falar muito mais sobre ele é spoilers, mas ele é muito foda. Seria meu personagem favorito se não fosse Dalinar Kholin, o grão-príncipe. Ele é a figura mais política no primeiro livro, e a política desse mundo é muito interessante pra mim, principalmente com o último rei recém assassinado, e seu jovem filho tendo dificuldades em controlar seu poder. A quarta figura é Shallan, a mentirosa. No começo do primeiro livro eu não gostava tanto assim dela, mas eu amo ela nos últimos. Não acho que seja por ela ser mal escrita no começo ou algo assim, eu só precisava conhecer ela. Ela é uma garota buscando tutela de uma famosa pesquisadora, com esperanças de conseguir de alguma maneira salvar a situação em que sua família se encontra. A história é muito mais interessante que isso, mas novamente, não posso falar muito mais.
Demoramos um pouco pra continuar pro segundo livro da série - limos o primeiro em português, e acho que iamos esperar pra continuar em português, até que não aguentamos mais esperar. Começamos Words of Radiance no começo de Abril, e acabamos começo de Junho. Começamos Oathbringer começo de Junho, e acabamos no começo de Julho. Começamos Rhythm of War no final de Julho, e acabamos no começo de Outubro. Não vou comentar em mais detalhes sobre cada um dos livros, até porque, como é uma narrativa só, continuada, e eu os li em sequência, eles se misturam um pouco na minha cabeça. Todos são muito bons, 5 estrelas.
Dito isso, esses não foram os únicos livros que eu li esse ano. Também li, por exemplo, Dawnshard, do Brandon Sanderson, um livro no universo de Stormlight Archive entre o livro 3 e o livro 4. Juro que os outros livros que eu li não são do Brandon Sanderson. Dawnshard é bem divertido e leve, e serve como um ótimo interlúdio pra Stormlight. É possível ler ele como livro solo, acho, mas acho que se perderia muito do que esse livro acrescenta ao worldbuilding de Roshar, então não recomendo.
Enquanto eu lia o 4o livro da série, li mais dois outros livros. O primeiro é Estou Feliz que Minha Mãe Morreu, da Jennette McCurdy. É um memoir no qual ela relata suas experiências com atuação, com transtornos alimentares e com sua falecida mãe - todos os três tópicos intimamente conectados uns aos outros. A maior surpresa positiva desse livro (que talvez nem deveria ser surpresa porque muita gente já havia comentado isso) é como a Jennette escreve bem. Sinceramente espero muito que ela continue a escrever, quero muito ver ela escrevendo algo que não seja autobiográfico. Obviamente é um livro meio deprê. As reviews na contracapa falam que ele é muito engraçado, mas eu acho que eles só usaram essa palavra por não terem outra palavra melhor pra usar. Ele tem muitos momentos de ironia dramática, e definitivamente conta a história dele da maneira mais leve que se poderia contar, mas acho que ir esperando um livro engraçado é meio errôneo. Ah, e eu li o livro em português. Achei a tradução meio ruim. Pior coisa que acontece quando eu to lendo um livro traduzido é perceber que traduziram uma coisa errado e imediatamente conseguir saber o que que era no original e como deveria ser traduzido, porque daí eu passo todo o resto do livro tentando encontrar mais erros de tradução e imaginando como era no original. Mas tirando tudo isso muito bom o livro, recomendo! Papei ele em 2 dias.
O segundo livro que li enquanto lia Rhythm of War foi The Last Days of Judas Iscariot, do Stephen Adly Guirgis, que é na verdade um roteiro de uma peça. Eu fiquei interessado em ler (ou assistir) a peça por já ter visto inúmeras vezes no Tumblr fotos do diálogo na última cena, quem é terminalmente online desse canto específico da Internet já deve ter visto também. Mas, não me entenda mal, a peça é bem escrita, mas já saber a cena final tira toda a graça. O resto da peça não é de perto tão bom, e toda ela parece só lentamente criar a antecipação praquela cena, ao mesmo que tempo que parece que não acrescentou muita coisa. Não senti que ler a última cena no contexto das outras fez eu sentir coisas maiores ou diferentes do que quando eu li na primeira vez no Tumblr - na verdade, acho que na primeira vez, sem contexto, me impactou mais. Não sei se eu recomendo ler a peça inteira por causa disso, mas talvez assistir ela seja melhor. Ler o post eu recomendo, mas só se você realmente não for ler o livro.
O próximo livro que eu li, depois de terminar Rhythm of War foi The Light Fantastic, do Terry Pratchett. Talvez eu tenha começado enquanto ainda estava lendo Rhythm of War, não lembro, mas terminei depois só. É mais um livro da série de Discworld, que eu tenho um carinho enorme por, e é o segundo livro da série, seguindo diretamente os eventos de The Colour of Magic (e, se não me engano, esses são os únicos dois livros da série a seguirem com a mesma linha narrativa, tendo que ler o primeiro pra entender o segundo, tirando talvez todos os livros da Tiffany Dolorida. A série de Discworld é tão grande que é dividida em sub-séries. Confira o gráfico). Geralmente, quando se quer começar a ler Discworld, recomendam não começar pelos primeiros livros, porque eles não são tão bons. Tenho muito carinho pelo Rincewind e pelo Twoflower, os protagonistas dos dois primeiros livros, mas admito que foi um pouco sofrido terminar esse livro. Recomendo pra quem quer ler todos os livros de Discworld, que nem eu, mas recomendo começar por Mort.
O próximo que eu li foi The Marbled Swarm do Dennis Cooper. Eu não lembro como exatamente descobri esse livro, acho que estava fuçando o Goodreads quando encontrei outros livros do mesmo autor, e a sinopse desse me chamou muita atenção.
The Marbled Swarm is Dennis Cooper’s most haunting work to date. In secret passageways, hidden rooms, and the troubled mind of our narrator, a mystery perpetually takes shape—and the most compelling clue to its final nature is “the marbled swarm” itself, a complex amalgam of language passed down from father to son. Cooper ensnares the reader in a world of appearances, where the trappings of high art, old money, and haute cuisine obscure an unspeakable system of coercion and surrender. And as the narrator stalks an elusive truth, traveling from the French countryside to Paris and back again, the reader will be seduced by a voice only Dennis Cooper could create.
Que livro complicado de se avaliar. Nunca tinha lido nada do mesmo autor antes, e saber que a temática que esse livro aborda é o pão com manteiga dele me deixou assustado, intrigado e admirado. The Marbled Swarm é um livro contado como um memoir de um jovem parisiense cuja vida estava fadada a acontecer exatamente como aconteceu. Ele emprega uma maneira de fala/escrita que dá nome ao livro, aprendida com seu pai, e leva o leitor numa jornada labiríntica pelas suas próprias memórias, espelhando a história do próprio narrador.
Esse não é um livro pra pessoas que precisam de respostas quando recebem um mistério. Toda pergunta gera mais perguntas, e tentar respondê-las não leva a lugar nenhum de importância. É muito mais sobre a jornada de como o nosso narrador-personagem se tornou o que ele é. O autor quer que você se sinta confuso, e com autor eu quero dizer tanto o cujo nome estampa a capa do livro, quanto o narrador-personagem não-nomeado. Eu fiquei surpreso com quantos temas diferentes foram estabelecidos e reinforçados durante um livro tão curto, e com a quantidade de paralelos traçados. Todo personagem é substituto de outro personagem, que por sua vez é representante de outro personagem, ad nauseam. Você não pode confiar no narrador. Você não pode confiar em nenhum dos personagens, e em nenhuma das memórias. No final de ler o livro, você não consegue ter certeza do que é real ou não. Abuso sistemático e trauma geracional condensados num dialeto.
Esse é um dos meus novos livros favoritos, por inúmeros motivos, mas principalmente porque eu amo formas de storytelling que se aproveitam inteiramente do meio que habitam. O jeito que Cooper usa a prosa pra te, literalmente, enfeitiçar, e te tornar parte da narrativa como leitor é incrível. Eu não consigo recomendar ele pra todos, porém, porque ele também é o livro mais asqueroso que eu já li na minha vida. Quase todos os avisos de gatilho do mundo se aplicam a esse livro. Se você tiver estômago forte, recomendo o livro.
Ah, e acho que nunca destaquei tantas trechos de um livro antes quanto nesse. Coloquei todos aqui. Cuidado, tem spoilers.
Após ter amado tanto The Marbled Swarm, fui ler o livro mais famoso do mesmo autor. The Sluts é um livro com uma proposta incrível, mas com uma execução um pouco menos incrível. Eu fui com as espectativas de ter acabado de ler um dos meus novos livros favoritos e li um livro que era só muito bom, então acabei me decepcionando. O livro é composto quase inteiramente por discussões em um fórum de internet voltado à reviews de garotos de programa. Ler ele é a mesma sensação que ler discussões em fórum, mas no caso quando há um mistério interessantíssimo a ser resolvido. Mesmo tendo me decepcionado com o livro, recomendo pra quem gostar de ler sobre mistérios da Internet (e não tiver problema com os inúmeros avisos de gatilho que sempre parecem acompanhar os trabalhos desse autor).
Wolf in White Van foi o penúltimo livro que li esse ano, e li ele quase que inteiramente pelo fato de que foi escrito pelo John Darnielle, do The Mountain Goats, uma das minhas bandas favoritas. É um livro onde nada acontece, porque tudo que era pra acontecer já aconteceu faz um bom tempo. Eu sinto que falar que é um livro sobre jogos completamente perde o ponto do livro, porque, por mais protagonista que o Trace Italian seja da história, sinto que seu papel é sempre complementar ao real tema do livro, que é suicídio. Se eu não fosse completamente apaixonado pelo estilo de escrita do John Darnielle, eu teria achado o livro muito chato, mas ele consegue fazer que eu sinta tudo que o nosso protagonista sente em todas as fatias de memórias que nos são oferecidas. Não é um livro que eu recomendaria pra qualquer um, mas o recomendo facilmente pra pessoas que twittam letras das músicas do The Mountain Goats, o que me faz ser exatamente o público alvo.
Também marquei muitos trechos desse livro, aqui.
Guards! Guards! foi, de longe, o livro que eu mais demorei pra ler esse ano. Acho que comecei ele em Janeiro, se não me engano, e terminei em Dezembro. Eu consigo reconhecer que é um livro muito bom, mas ele simplesmente não me pegou tanto quanto outros do Terry Pratchett. No final do livro ainda não tenho certeza de qual guarda é qual, tirando o Carrot e o Captain Vimes. Mesmo assim, estou curioso pra ler os outros livros na sub-série dos Guardas de Ankh-Morpork! Recomendo pra quem quiser ler todos os livros de Discworld, mas, novamente, não recomendo começar por esse.